RIO – “Bom dia, sou a enfermeira Sabrina, da Secretaria Municipal de Saúde. Nós fazemos testagem do coronavírus e gostaríamos de saber se a senhora aceita ser testada.” A cena aconteceu na última quarta-feira, 2 de dezembro, em Maricá, na Região Metropolitana do Rio de Janeiro. Mas deveria se repetir diariamente em todo o Brasil.
Trata-se da busca ativa de infectados pelo coronavírus, com teste de RT-PCR, o chamado padrão-outro dos exames para Sars-Cov-2. É a busca ativa, recomendada pela OMS, que permite identificar os portadores assintomáticos e conter surtos antes que eles amplifiquem e perpetuem a pandemia de Covid-19, explica o coordenador do Laboratório de Virologia Molecular da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Amílcar Tanuri.
Tanuri idealizou o projeto “Sentinela de Maricá Covid-19” em parceria com o Instituto de Ciência e Tecnologia e Inovação de Maricá (ICTIM) e a Secretaria Municipal de Saúde de Maricá.
O Sentinela está em sintonia com o trabalho realizado pelo Centro de Triagem e Diagnóstico para a Covid-19 da UFRJ, que também testa com PCR os contactantes de pessoas positivas para o coronavírus.
Em Maricá, o trabalho é feito em ciclos de 380 residências (o número é variável), escolhidas com base em distribuição censitária e sorteadas, para evitar qualquer viés e oferecer o retrato mais preciso possível do perfil epidemiológico da cidade e identificar áreas de risco de surto antes que estejam estabelecidos, diz Celso Pansera, presidente do ICTIM.
Teste, teste, teste
O trabalho na cidade faz parte de um projeto de pesquisa, mas atende à recomendação da Organização Mundial de Saúde (OMS). De tão conhecida pelos cientistas, se tornou mantra da pandemia: teste, teste, teste. Identificar os infectados, rastrear seus contatos, isolá-los e a todos os contaminados por eles.
O mantra é conhecido, mas nem por isso praticado no Brasil, afirma o professor da USP de Ribeirão Preto Domingos Alves, do portal Covid-19 Brasil, que monitora e projeta a evolução da pandemia no país, não ligado ao Sentinela. No país, a busca ativa é rara e os testes, quando feitos, têm a predominância dos testes rápidos sorológicos — cerca de 60% total — que de nada servem para encontrar as infecções agudas, que propagam o coronavírus. Ou seja, são inúteis para conter a pandemia. Enquanto isso, 7 milhões de testes de PCR ficaram sem uso e à beira de perder validade nos estoques do Ministério da Saúde.
— Isso sem falar que o Brasil testa menos agora — destaca Alves. — A partir de agosto, inexplicavelmente, o número de testes no país caiu cerca de 15% a 20% por mês. O que faz com que tenhamos um volume de internações nos hospitais incompatível com o número de casos informados pelos governos. É uma forma de maquiar a gravidade da expansão da pandemia.
Projeto ambicioso
O trabalho em Maricá é parte de um estudo da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) com a prefeitura do município. Integra um projeto mais ambicioso de traçar o perfil epidemiológico do município.
O resultado do primeiro ciclo, concluído em outubro, mostrou que 0,6% da população estava positiva (via teste de PCR) e outros 8,2% haviam sido expostos ao vírus (resultado da sorologia). Ou seja, mais de 90% da população estava suscetível ao coronavírus. Os casos estavam concentrados em Inoã, distrito vizinho a São Gonçalo, um dos municípios mais atingidos pela nova onda da Covid-19.
— Isto permitiu orientar políticas públicas e de contenção em outubro. vimos exatamente por onde a doença estava entrando na cidade — frisa Tanuri.
O trabalho do Sentinela é associado ao do Laboratório Central Dr. Francisco Rimolo Neto, ligado ao ICTIM. Desde o fim de maio, quando foi inaugurado, ele já testou 11 mil amostras, a maioria vindas das tendas de testagem de Covid-19 distribuídas pela cidade, mas também do Sentinela e de hospitais. Thiago Frauches é o coordenador do laboratório, que funciona numa casa provisória, mas nem por isso para.
‘Que bom que vocês vieram’
Um novo ciclo do trabalho foi iniciado em dezembro, num momento em que a Covid-19 se espalhou ainda mais. E a enfermeira Sabrina dos Santos Rosa, distribuiu saudações naquela manhã de quarta-feira, como de resto tem sido rotina. Numa das casas do bairro de Araçatiba, quem atendeu foi dona Maria de Lurdes de Moraes, de 78 anos.
Com um sorriso de satisfação no rosto, abriu as portas para Sabrina e sua colega, Eliane Silveira dos Santos, voluntária residente de medicina.
— Quero me testar. Não tenho sintoma de nada, mas fico preocupada. Nas poucas ocasiões que saio para ir ao mercado volto irritada com as pessoas sem máscara — diz dona Maria de Lurdes.
A família dela, como a de muitos brasileiros, passará o Natal separada devido à pandemia. Os netos que moram na França não virão ao Brasil e tampouco dona Maria de Lurdes, a filha e o genro poderão viajar enquanto durar a pandemia, essa será a rotina de dona Maria de Lurdes, presa em seu jardim florido.
— Aqui só quem voa são os passarinhos — lamenta.
No mesmo bairro mora a família de Daiana Souza Moura, de 34 anos, uma tosadora de cães, que também pouco sai de casa. Ela mora com o marido, o filho e uma cunhada e está sintomática.
— Que bom que vocês vieram e vou poder me testar. Não estou nada bem. Há quatro dias tenho febre, tosse seca, dores e um cansaço que não me deixa — diz Daiana, que também perdeu o paladar e olfato.
Daiana tem tentado sair pouco, mas ficou oito dias acompanhando um neto internado e acha que se infectou no hospital. O resultado do teste rápido de anticorpos, empregado para medir o percentual de população que já foi exposta, dá negativo. Ela ainda terá que esperar para saber o resultado do PCR, que não fica pronto na hora. Mas ela e a família recebem orientações e cuidados com o isolamento.
Tanuri frisa que a meta do Sentinela é acompanhar os pacientes positivos, para avaliar o desfecho dos casos, com análise do tempo de desaparecimento de sintomas, negativação.
— A experiência de Maricá é um bom exemplo. Mas é um caso até agora isolado — salienta Tanuri. — Precisamos muito testar no Brasil.
Fonte: Jornal O Globo